20070625


Chema Madoz, Elogio de la sombra

20070621

I believe the moment is at hand when, by a paranoiac and active advance of the mind, it will be possible (simultaneously with automatism and other passive states) to systematize confusion and thus to help to discredit completely the world of reality. In order to cut short all possible misunderstandings, it should perhaps be said: "immediate" reality. Paranoia uses the external world in order to assert its dominating idea and has the disturbing characteristic of making others accept this idea's reality. The reality of the external world is used for illustration and proof, and so comes to serve the reality of one's mind. In the special 'Surrealist Intervention' number of Documents 34, under the title 'Philosophic Provocations', Dali undertakes today to give his thought a didactic turn. All uncertainty as to his real intentions seems to me to be swept away by these definitions:
Paranoia: Delirium of interpretation bearing a systematic structure.
Paranoiac-critical activity: Spontaneous method of "irrational knowledge" based on the critical and systematic objectification of delirious associations and interpretations.
Painting: Handmade colour "photography" of "concrete irrationality" and of the imaginative world in general.
Sculpture: Modelling by hand of "concrete irrationality" and of the imaginative world in general.

André Breton, What is Surrealism 1934

20070613

Uncle vernon, uncle vernon, independent as a hog on ice
Hes a big shot down there at the slaughterhouse
Plays accordion for mr. weiss
Uncle biltmore and uncle william
Made a million during world war two
But theyre tightwads and theyre cheapskates
And theyll never give a dime to you
Auntie mame has gone insane
She lives in the doorway of an old hotel
And the radio is playing opera
All she ever says is go to hell
Uncle violet flew as a pilot
And there aint no pretty girls in france
Now he runs a tiny little bookie joint
They say he never keeps it in his pants
Uncle bill will never leave a will
And the tumor is as big as an egg
He has a mistress, shes puerto rican
And I heard she has a wooden leg
Uncle phil cant live without his pills
He has emphysema and hes almost blind
And we must find out where the money is
Get it now before he loses his mind
Uncle vernon, uncle vernon, independent as a hog on ice
Hes a big shot down there at the slaughterhouse
He plays accordion for mr. weiss

Tom Waits, Cemetery Polka

20070609

Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.

Tristan Tzara, Manifesto Dadaísta

20070608


Miroslav Netik, Lojza

20070603

Admitindo que sentíamos o outro como ele se sente a si próprio o que Schopenhauer designa por compaixão e que mais exactamente deveria ser designado por unidade no sofrimento - deveríamos detestá-lo quando ele próprio, como Pascal, se sente detestável. Se o outro sofre de alucinações, se teme ficar louco, eu próprio deveria alucinar-me, eu próprio deveria ficar louco. Ora, qualquer que seja a força do amor, isso não se verifica: fico comovido, angustiado, pois é terrível ver sofrer quem se ama, mas, ao mesmo tempo, fico seco, estanque.A minha identificação é imperfeita: o outro inquieta-me, agito-me demasiado, na razão igual da profunda reserva em que, de facto, me encontro. Pois, ao mesmo tempo que me identifico sinceramente com a infelicidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem mim e que, sendo infeliz por si próprio,o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa, é porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio. Numa frase: dói-me o outro.

Roland Barthes, Fragments d'un discours amoureux

20070429


Paul Klee, Highway and Byways

20070428

A apreciação do silêncio é uma das numerosas coisas que um leitor, sem que se espere, pode aprender de sua obra. Você tem escrito sobre a liberdade que o silêncio permite, sobre suas múltiplas causas e significações. Em seu último livro, por exemplo, você diz que não existe apenas um, mas numerosos silêncios. Seria fundamentado pensar que há ai um potente elemento autobiográfico? - "Penso que qualquer criança que tenha sido educada em um meio católico justamente antes ou durante a Segunda Guerra Mundial pôde experimentar que existem numerosas maneiras diferentes de falar e também numerosas formas de silêncio. Certos silêncios podem implicar uma hostilidade virulenta; outros, por outro lado, são indicativos de uma amizade profunda, de uma admiração emocionada, de um amor. Eu lembro muito bem que quando eu encontrei o cineasta Daniel Schmid, vindo me visitar, não sei mais com que propósito, ele e eu descobrimos, ao fim de alguns minutos, que nós não tínhamos verdadeiramente nada a nos dizer. Desta forma, ficamos juntos desde as três horas da tarde até meia noite. Bebemos, fumamos haxixe, jantamos. Eu não creio que tenhamos falado mais do que vinte minutos durante essas dez horas. Este foi o ponto de partida de uma amizade bastante longa. Era, para mim, a primeira vez que uma amizade nascia de uma relação estritamente silenciosa. É possível que um outro elemento desta apreciação do silêncio tenha a ver com a obrigação de falar. Eu passei minha infância em um meio pequeno-burguês da França provincial, e a obrigação de falar, de conversar com os visitantes era, para mim, ao mesmo tempo algo muito estranho e muito entediante. Eu lembro-me de perguntar por que as pessoas sentiam a obrigação de falar. O silêncio pode ser uma forma de relação muito mais interessante." - Há, na cultura dos índios da América do Norte, uma apreciação do silêncio bem maior do que nas sociedades anglofônicas ou, suponho, francofônica. - "Sim. Eu penso que o silêncio é uma das coisas às quais, infelizmente, nossa sociedade renunciou. Não temos uma cultura do silêncio, assim como não temos uma cultura do suicídio. Os japoneses têm. Ensinava-se aos jovens romanos e aos jovens gregos a adoptarem diversos modos de silêncio, em função das pessoas com as quais eles se encontrassem. O silêncio, na época, configurava um modo bem particular de relação com os outros. O silêncio é, penso, algo que merece ser cultivado. Sou favorável que se desenvolva esse êthos do silêncio."

Michel Foucault, Silêncio, sexo e verdade - Uma entrevista com Michel Foucault

20070423

O povo julga bem as coisas, porque está na ignorância natural, que é o verdadeiro lugar do homem. A ciência tem duas extremidades que se tocam. A primeira é a pura ignorância natural, na qual se encontram todos os homens ao nascer. A outra extremidade é aquela a que chegam as grandes almas que, tendo percorrido tudo quanto os homens podem saber, acham que nada sabem e voltam a encontrar-se nessa mesma ignorância da qual tinham partido; mas é uma ignorância sábia que se conhece. Os do meio, que saíram dessa ignorância natural e não puderam chegar à outra, têm umas pinceladas dessa ciência suficiente, e armam-se em entendidos. Esses perturbam o mundo e julgam mal de tudo. O povo e os verdadeiramente sábios compõem a ordem do mundo; estes desprezam-na e são desprezados.

Blaise Pascal, Pensamentos

20070405

Os olhos também cheiram
O frio.
Todo o confuso amontoado do social move-se em torno desse referente esponjoso, dessa realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, desse nada: as massas. Bola de cristal das estatísticas, estas são atravessadas por correntes e fluídos à semelhança da matéria e dos elementos naturais. Pelo menos é assim que elas nos são representadas. Elas podem ser magnetizadas, o social rodeia-as como uma eletricidade estática, mas a maior parte do tempo comportam-se precisamente como "massa", o que quer dizer que absorvem toda a electricidade do social e do político, neutralizando-as sem retorno. Não são boas condutoras do político, nem do social, nem mesmo boas condutoras do sentido em geral. Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traço. E na realidade o apelo às massas sempre ficou sem resposta. Elas não irradiam, ao contrário, absorvem toda a irradiação das constelações periféricas do Estado, da História, da Cultura, do Sentido. Elas são a inércia, aforça da inércia, do neutro. (...) Nalgum ponto da representação imaginária, as massas flutuam entre a passividade e a espontaneidade selvagem, mas sempre com uma energia potencial, hoje referente mudo, amanhã protagonista da história, quando elas tomarão a palavra deixarão de ser a ,"maioria silenciosa" - ora justamente, as massas nada têm história a escrever, nem passado nem futuro, não têm energias virtuais para libertar, nem desejo a realizar: a sua força é actual , toda ela é o silêncio. Força de absorção e neutralização, desde já superior a todas as que se exercem sobre elas. Força de inércia específica, cuja eficácia é diferente da de todos os esquemas de produção, de irradiação e de expansão sobre os quais funciona o nosso imaginário, incluindo a vontade de destruí-los.

Jean Baudrillard, À sombra das maiorias silenciosas

20070401


Herbert Bayer, Abstraction
Com os músculos das costas posso me divertir.
Com um pepino não.
Houve um tempo em que se pensava que as asserções científicas eram, ou deveriam ser, objectivas e não valorativas; que as expressões de valor eram distinguíveis das expressões de facto, e que a ciência se deveria confinar a estas últimas. Renunciou-se a uma tal visão, com relutância, por parte de alguns, quando se reconheceu que as teorias incorporam valores, porque advogam uma forma de descrever o mundo em detrimento de outras, e que mesmo as observações de facto são feitas a partir de algum ponto de vista ou teoria sobre o mundo, já pressuposta.
Ainda que favorável à distinção facto-valor, Popper reconheceu que os enunciados científicos invocaram valores, acreditando todavia que a argumentação na ciência era objectiva e não valorativa. Popper defendeu que o modo primordial de argumentação na ciência é dedutivo. As teorias na ciência propõem leis da forma «todos os As são Bs», e a tarefa da investigação científica é encontrar ou provocar instâncias de A, e ver se elas falham em produzir ou correlacionar-se com instâncias de B. O teste de uma teoria era o da sua subsistência às tentativas de a falsificar. Uma boa teoria encoraja tais tentativas, propondo asserções, de preferência de âmbito amplo e inesperadas a asserções de âmbito mais limitado e esperadas. Se a ocorrência de instâncias de B falhar, sendo dadas instâncias de A, então a teoria é falsificada. Uma nova teoria que dê conta da não ocorrência de B, exprimindo-se ainda em termos dedutivos, substituiria a velha teoria. Os procedimentos usados na descoberta de teorias, o modo como uma teoria se relaciona com modelos fisicos ou matemáticos ou outras crenças, não eram considerados elementos essenciais à ciência.
Veio então Kuhn defender que mesmo a argumentação usada na ciência não é livre de valorações, ou certa. A ciência envolve mais do que um conjunto de generalizações independentes sobre o mundo, à espera de serem falsificadas por uma contra-instância singular. Envolve um sistema, ou «paradigma», não apenas de generalizações e conceitos, mas de crenças sobre a metodologia e critérios de avaliação da investigação: sobre o que são boas questões, o que sejam desenvolvimentos adequados de uma teoria, ou métodos de investigação aceitáveis. Uma teoria substitui outra, não porque funcione, com sucesso, como premissa maior num maior número de deduções, mas porque responde a algumas questões que a outra teoria não responde -- mesmo que possa não responder a algumas questões a que a outra responde. As mudanças de teoria ocorrem porque uma teoria satisfaz mais do que outra, porque as questões a que dá resposta são consideradas mais importantes. A investigação feita sob um paradigma não é feita para falsificar uma teoria, mas para preencher e desenvolver conhecimento para o qual o paradigma fornece um quadro de trabalho. O procedimento envolvido no desenvolvimento e substituição de um paradigma não é simplesmente dedutivo, e não existe, provavelmente, uma caracterização única adequada de como tal procedimento funciona. Isto não significa que ele seja irracional, ou não mereça ser estudado, mas apenas que não existe uma caracterização universal simples do que seja uma boa argumentação científica.
Esta visão da ciência, ou outra do mesmo tipo, é agora amplamente sustentada pelos filósofos. Sugeriu-se, entretanto, que também a filosofia é governada por paradigmas.

Janice Moulton, Revista do pensamento contemporâneo


20070331

Poetas são abutres
dos próprios desejos
mastigam com binóculos
os próprios medos.

Gabriela Marcondes, Sobremesa da eternidade
Quando morrem, os cavalos - respiram
Quando morrem, as ervas - secam
Quando morrem, os sóis - se apagam
Quando morrem, os homens - cantam.

Velimir Khlebnikov, 1913

20070330

Fillipo Tommasi Marinetti, Marcia Futurista

20070329

Os corvos pintados dois dias antes de sua morte não lhe abriram, mais que suas outras telas, a porta de certa glória póstuma, mas abrem à pintura pintada, ou melhor, à natureza não pintada, a porta oculta de um mais além possível, através da porta aberta por Van Gogh para um enigmático e pavoroso mais além. Não é frequente que um homem, com um balanço no ventre do fuzil que o matou, ponha numa tela corvos negros, e debaixo uma espécie de planície, possivelmente lívida, de qualquer modo vazia, em que a cor de borra de vinho da terra se enfrenta loucamente com o amarelo sujo do trigo. Mas nenhum outro pintor, fora Van Gogh, foi capaz de descobrir, para pintar seus corvos, esse negro de trufa, esse negro de comilona faustosa e ao mesmo tempo como de excremento das asas dos corvos surpreendidos pelos resplendores declinantes do crepúsculo. E de que se queixa a terra ali, sob as asas dos faustos corvos, faustos só, sem dúvida, para Van Gogh e, ademais, faustoso augúrio de um mal que já não lhe diz respeito? Pois até então ninguém como ele havia convertido a terra nesse trapo sujo empapado em sangue e retorcido até escorrer vinho. No quadro, há um céu muito baixo, achatado, violáceo como as margens do raio. A insólita franja tenebrosa do vazio se eleva em relâmpago. A poucos centímetros do alto e como proveniente debaixo da tela, Van Gogh soltou os corvos como se soltasse os micróbios negros de seu baço suicida, segundo o talho negro da linha onde o bater de sua soberba plumagem faz pesar sobre os preparativos da tormenta terrestre a ameaça de uma sufocação vinda do alto. E, no entanto, todo o quadro é soberbo. Quadro soberbo, sumptuoso e sereno. Digno acompanhamento para a morte daquele que, em vida, fez girar tantos sóis ébrios sobre tantas parvas rebeldias ao exílio e que, desesperado, com um balanço no ventre, não pôde deixar de inundar com sangue e vinho uma paisagem, empapando a terra com uma última emulsão, radiante e tenebrosa ao mesmo tempo, que sabe a vinho acre e a vinagre picado.

Antonin Artaud, Van Gogh: o suicidado da sociedade