Admitindo que sentíamos o outro como ele se sente a si próprio o que Schopenhauer designa por compaixão e que mais exactamente deveria ser designado por unidade no sofrimento - deveríamos detestá-lo quando ele próprio, como Pascal, se sente detestável. Se o outro sofre de alucinações, se teme ficar louco, eu próprio deveria alucinar-me, eu próprio deveria ficar louco. Ora, qualquer que seja a força do amor, isso não se verifica: fico comovido, angustiado, pois é terrível ver sofrer quem se ama, mas, ao mesmo tempo, fico seco, estanque.A minha identificação é imperfeita: o outro inquieta-me, agito-me demasiado, na razão igual da profunda reserva em que, de facto, me encontro. Pois, ao mesmo tempo que me identifico sinceramente com a infelicidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem mim e que, sendo infeliz por si próprio,o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa, é porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio. Numa frase: dói-me o outro.
Roland Barthes, Fragments d'un discours amoureux