20070405

Todo o confuso amontoado do social move-se em torno desse referente esponjoso, dessa realidade ao mesmo tempo opaca e translúcida, desse nada: as massas. Bola de cristal das estatísticas, estas são atravessadas por correntes e fluídos à semelhança da matéria e dos elementos naturais. Pelo menos é assim que elas nos são representadas. Elas podem ser magnetizadas, o social rodeia-as como uma eletricidade estática, mas a maior parte do tempo comportam-se precisamente como "massa", o que quer dizer que absorvem toda a electricidade do social e do político, neutralizando-as sem retorno. Não são boas condutoras do político, nem do social, nem mesmo boas condutoras do sentido em geral. Tudo as atravessa, tudo as magnetiza, mas nelas se dilui sem deixar traço. E na realidade o apelo às massas sempre ficou sem resposta. Elas não irradiam, ao contrário, absorvem toda a irradiação das constelações periféricas do Estado, da História, da Cultura, do Sentido. Elas são a inércia, aforça da inércia, do neutro. (...) Nalgum ponto da representação imaginária, as massas flutuam entre a passividade e a espontaneidade selvagem, mas sempre com uma energia potencial, hoje referente mudo, amanhã protagonista da história, quando elas tomarão a palavra deixarão de ser a ,"maioria silenciosa" - ora justamente, as massas nada têm história a escrever, nem passado nem futuro, não têm energias virtuais para libertar, nem desejo a realizar: a sua força é actual , toda ela é o silêncio. Força de absorção e neutralização, desde já superior a todas as que se exercem sobre elas. Força de inércia específica, cuja eficácia é diferente da de todos os esquemas de produção, de irradiação e de expansão sobre os quais funciona o nosso imaginário, incluindo a vontade de destruí-los.

Jean Baudrillard, À sombra das maiorias silenciosas