Houve um tempo em que se pensava que as asserções científicas eram, ou deveriam ser, objectivas e não valorativas; que as expressões de valor eram distinguíveis das expressões de facto, e que a ciência se deveria confinar a estas últimas. Renunciou-se a uma tal visão, com relutância, por parte de alguns, quando se reconheceu que as teorias incorporam valores, porque advogam uma forma de descrever o mundo em detrimento de outras, e que mesmo as observações de facto são feitas a partir de algum ponto de vista ou teoria sobre o mundo, já pressuposta.
Ainda que favorável à distinção facto-valor, Popper reconheceu que os enunciados científicos invocaram valores, acreditando todavia que a argumentação na ciência era objectiva e não valorativa. Popper defendeu que o modo primordial de argumentação na ciência é dedutivo. As teorias na ciência propõem leis da forma «todos os As são Bs», e a tarefa da investigação científica é encontrar ou provocar instâncias de A, e ver se elas falham em produzir ou correlacionar-se com instâncias de B. O teste de uma teoria era o da sua subsistência às tentativas de a falsificar. Uma boa teoria encoraja tais tentativas, propondo asserções, de preferência de âmbito amplo e inesperadas a asserções de âmbito mais limitado e esperadas. Se a ocorrência de instâncias de B falhar, sendo dadas instâncias de A, então a teoria é falsificada. Uma nova teoria que dê conta da não ocorrência de B, exprimindo-se ainda em termos dedutivos, substituiria a velha teoria. Os procedimentos usados na descoberta de teorias, o modo como uma teoria se relaciona com modelos fisicos ou matemáticos ou outras crenças, não eram considerados elementos essenciais à ciência.
Veio então Kuhn defender que mesmo a argumentação usada na ciência não é livre de valorações, ou certa. A ciência envolve mais do que um conjunto de generalizações independentes sobre o mundo, à espera de serem falsificadas por uma contra-instância singular. Envolve um sistema, ou «paradigma», não apenas de generalizações e conceitos, mas de crenças sobre a metodologia e critérios de avaliação da investigação: sobre o que são boas questões, o que sejam desenvolvimentos adequados de uma teoria, ou métodos de investigação aceitáveis. Uma teoria substitui outra, não porque funcione, com sucesso, como premissa maior num maior número de deduções, mas porque responde a algumas questões que a outra teoria não responde -- mesmo que possa não responder a algumas questões a que a outra responde. As mudanças de teoria ocorrem porque uma teoria satisfaz mais do que outra, porque as questões a que dá resposta são consideradas mais importantes. A investigação feita sob um paradigma não é feita para falsificar uma teoria, mas para preencher e desenvolver conhecimento para o qual o paradigma fornece um quadro de trabalho. O procedimento envolvido no desenvolvimento e substituição de um paradigma não é simplesmente dedutivo, e não existe, provavelmente, uma caracterização única adequada de como tal procedimento funciona. Isto não significa que ele seja irracional, ou não mereça ser estudado, mas apenas que não existe uma caracterização universal simples do que seja uma boa argumentação científica.
Esta visão da ciência, ou outra do mesmo tipo, é agora amplamente sustentada pelos filósofos. Sugeriu-se, entretanto, que também a filosofia é governada por paradigmas.
Janice Moulton, Revista do pensamento contemporâneo